Psicanálise e Educação Sexual: Deborah Britzman e a paixão pela ignorância

Quem precisa de educação sexual? Aqueles que resistem, poderíamos responder. Rapidamente seríamos levados a pensar que o trabalho da educação sexual é o de vencer as resistências e esclarecer leitores, estudantes e aprendizes acerca dos mistérios da sexualidade. Ledo engano. Não é nessa perspectiva que se insere o trabalho de Gelberton Vieira Rodrigues. A análise à qual somos conduzidos propõe uma aproximação com os mistérios não da sexualidade, mas do sexual, tal como o define a psicanálise, lembrando-nos que as resistências sempre estarão presentes. Além de mudar o objeto de investigação e de apontar para um trabalho que nunca finaliza, aprendemos a trabalhar com outros instrumentos: o afeto e a fantasia.

Originalmente apresentado como dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual (Mestrado Profissionalizante) da Unesp de Araraquara, o presente texto se inscreve na tradição de diálogos entre a psicanálise e a teoria queer e acrescenta um campo de estudos que parece, à primeira vista, incompatível com os dois primeiros. Graças ao feliz encontro entre Gelberton e Deborah Britzman, essa conversa interdisciplinar – que inclui a educação sexual – se tornou possível.

Britzman, psicanalista, educadora e atualmente professora na Universidade de York em Toronto, sempre se ocupou de questões relativas à aprendizagem. Inquieta, chegava a ter pesadelos com a dificuldade de seus alunos de segundo grau em ler e aprender. Os pesadelos a levaram a aventurar-se por diversas áreas do conhecimento: filosofia, antropologia, psicanálise, educação, cinema, entre tantos outros. Encontramos em Gelberton uma inquietude similar, um investigador curioso e apaixonado pelos saberes e pelas resistências de quem aprende.

Para leitoras e leitores no Brasil, o livro de Gelberton nos devolve uma produção intelectual de uma autora que teve, entre seus principais influenciadores, ninguém menos que Paulo Freire. Foi nos anos de 1970 que Britzman teve contato com Pedagogia do oprimido, livro que a fez compreender que a educação pode ser opressora e que existe um

dilema existencial no campo da educação. Em buscas de respostas para as possibilidades do aprender, Britzman se dirige à teoria crítica e, posteriormente, à teoria queer e à psicanálise.

As resistências à educação vêm de muitos lugares, e Gelberton traz situações de trabalhos realizados em educação sexual com jovens para refletir sobre essa prática, assim como o fez Britzman. Tomamos contato com três amplos sentidos da resistência: uma resistência da pulsão, uma resistência do Eu e uma resistência da teoria. Resistimos nós mesmos, através de nosso inconsciente, a sermos capturados pela normatização; resistimos, ao recusar e negar legitimidade a práticas e identidades sexuais supostamente “anormais”; e, por fim, resistimos, quando desejamos capturar a instabilidade da sexualidade com conceitos estabilizadores e geradores de diferenciações transcendentais.

A resistência ao saber, tomada em sentido amplo, é o que encontramos no livro como paixão pela ignorância. Trata-se de um conceito útil para compreender uma série de mudanças pelas quais a sociedade brasileira vem passando. Mas serve igualmente para refletir sobre como negamos e resistimos ao que encontramos, isto é, como recusamos ativamente aquilo que põe em risco a coerência identitária. Pena que ela não exista! Eis a psicanálise para revelar a instabilidade do sexual, que repousa sobre a parcialidade das pulsões, suas vicissitudes e sobre o caráter polimorfo dos prazeres.

Paralelamente à psicanálise, a teoria queer entra em cena, sob a forma de uma pedagogia queer, para analisar as condições de produção dos saberes, ou seja, as formulações que estabelecem os limites daquilo que podemos conhecer, das perguntas que podemos fazer e das teorias que podemos tecer. As relações de poder se fazem presentes na análise das condições que permitem ou impedem o conhecimento. É aí que se situa, por exemplo, a ignorância ativa em relação a identidades não normativas e a dificuldade em garantir informações comprometidas com uma sociedade menos desigual.

De um lado, a paixão pela ignorância, de outro lado, a curiosidade associada ao prazer de ler o mundo e de ser lido por aqueles que nele habitam. Como e por que, então, praticar educação sexual? E qual educação sexual? Essas são as respostas que o livro de Gelberton tenta dar a nós. Na verdade, são antirrespostas. São meias respostas. Provocam. Instigam. Sugerem que devemos trocar caderno e lápis por afetos e fantasias. O livro que vocês têm em mãos, além de ser uma crítica ao aprendizado social sexual, é um convite a desaprender, a se desorientar, a se inventar e a ajudar os outros a se inventarem.

Patricia Porchat

Psicanálise e Educação Sexual

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