Patricia Porchat – Pode me contar sobre o seu percurso? Como se deu o encontro entre a psicanálise e as teorias de gênero?
Débora Tajer – Comecei a estudar psicologia no primeiro ano da volta da democracia na Argentina. Foi um ano muito importante porque voltavam muitos professores do exílio e do insílio[1]. Na faculdade, retornavam os que tinham ido embora nos anos de 1970 e pouco. Além disso, entre os que faziam parte da minha geração, eu pertencia a um grupo interessado em se relacionar com pessoas dos anos de 1970 e dos anos de 1960. Nos interessava muitíssimo retomar o abraço dessa genealogia. Então, eu fiz minha faculdade com muita alegria, com o retorno desses professores.
Patricia Porchat – Em que ano foi isso?
Débora Tajer – Em 1984. Naquele ano, pessoas, como, por exemplo, Tomás Abraham, que tinha sido discípulo de Foucault, Ana Fernández, voltavam do insílio. Outras pessoas vinham de outros lugares, e isso também renovou a psicanálise. Pessoas que voltavam de Barcelona, vinham com um lacanismo mais contemporâneo. Foi um momento muito interessante, de muita participação também. Nessa trajetória, passei pelo Lanús, que é um hospital emblemático aqui na Argentina, porque, nos anos de 1960, Maurício Goldenberg fundou e dirigiu ali o serviço de saúde mental. Goldenberg era um articulador entre psiquiatria, psicanálise e psicologia comunitária. Nesse hospital, havia muito trabalho clínico e comunitário. Então, fui para lá.
Patricia Porchat – E como chegou às teorias de gênero?
Débora Tajer – Meu vínculo com a cátedra de estudos da mulher que, posteriormente, se tornou estudos de gênero, foi por uma casualidade. Uma supervisora, que era grupalista, trabalhava com Ana Fernández. Ana era, simultaneamente, professora titular da cátedra de grupos e de estudos da mulher. Alguém lhe pediu para entrar na carreira de grupo, que era muito difícil, e eu sempre fui pela estrada lateral. Pedi para entrar na cátedra de estudos da mulher. Estamos falando do ano de 1988. Aí, ingressei em algo que me interessava, mas não sabia como se chamava, que era o tema da desigualdade entre homens e mulheres. Eu já tinha a percepção, quando estudava na faculdade, de que o que Freud dizia sobre as mulheres não me caía bem. Como sempre fui muito irreverente, não achava que ele tivesse razão (risos). Achei, então, que teria que ir por outro lado e comecei a trabalhar na cátedra no ano de 1988, e entrei na residência no hospital psiquiátrico feminino, que era o Moyano[2]. Então, vi a loucura feminina, e a loucura ligada à miséria. Com isso, também ficou claro que parte do que acontecia ali tinha forte ligação com a classe social. Nesse momento, quando estava fazendo a residência, surgiu na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO) um mestrado em saúde pública, e me inscrevi com um companheiro da residência, de quem era muito amiga. Fazíamos tudo juntos, então também fomos para lá juntos.
Patricia Porchat – Nessa direção do seu percurso, você se tornou professora da cátedra de saúde pública e saúde mental da Universidade de Buenos Aires (UBA). Como conseguiu, então, reunir o gênero com a psicanálise?
Débora Tajer – Nesse ínterim, conheci Irene Meler e fui estudar com ela. Decidi estudar psicanálise e gênero, porque naquele momento a cátedra de estudos da mulher tinha uma parte de psicanálise. Mas, como atualmente, apenas uma unidade, algumas aulas. Estudava-se mais o campo da subjetividade, do gênero e estudos da mulher. Começo, então, a estudar com Irene e gosto muito do que estudamos. Naquele momento, Irene trabalhava com Gloria Bonder, mas se desentenderam. Então, ela necessitava e tinha a vontade de mergulhar na psicanálise e gênero, e sair da área de políticas públicas e outros temas de gênero. Aí, eu lhe propus criar o Fórum de Psicanálise e Gênero. Isso foi em 1994. Meu cargo como professora de saúde pública é mais recente, teve início em 2013. Desde que fiz o mestrado em saúde coletiva, em 1992, me juntei ao movimento latino-americano de medicina social e saúde coletiva (ALAMES) e, desde então, trabalho com gênero e psicanálise e também com gênero e saúde coletiva.
Patricia Porchat – E como se deu a criação do fórum?
Débora Tajer – No Fórum de Psicanálise e Gênero, ligado à Associação de Psicólogos de Buenos Aires, as duas gerações, Irene, com a sua trajetória, e eu, com minhas apostas, chamamos algumas pessoas históricas do campo que fizeram parte do fórum[3] e começamos a nos encontrar uma vez por mês com um formato de fórum aberto a quem quisesse participar. Eu já pensava, naquele momento, que tinha que ser algo mais livre, que não tinha que ser uma instituição, tinha que ser um lugar de filiação mais aberta, porque eu já via a questão dos pós-modernos, o tema das afinidades. Tinha que ser outro formato, algo mais contemporâneo. E tivemos muito êxito. A ideia era dialogar entre os que faziam psicanálise e queriam dialogar com os estudos de gênero, e os que já estavam fazendo as duas coisas, e foi muito enriquecedor. No próprio fórum, eu conheci a quem psicanaliticamente me permitiria uma mudança importante, que foi Silvia Bleichmar. O que acontecia comigo era que a psicanálise com a qual eu dialogava, a partir dos estudos de gênero, me parecia que estava um pouco atrasada. Na saúde pública e nos estudos de gênero, eu encontrava algo mais avançado e a psicanálise com a qual eu dialogava me parecia que estava um pouquinho atrasada. Silvia, que é uma discípula de Laplanche e teve seus próprios desenvolvimentos teóricos, me permitiu fazer uma psicanálise mais contemporânea em diálogo com os estudos de gênero, que é a que faço agora.
Patricia Porchat – E desde então você está no fórum?
Débora Tajer – Comecei em 1994 quando o fundamos. Deixei o fórum em 2000 por achar que minha vida estava sobrecarregada de institucionalização. Além disso, houve um desentendimento com Irene e, sendo mais nova, tive que sair da minha própria criação, como a mãe do exemplo do Rei Salomão. Decidi ficar na cátedra como meu lugar fundamental, e, além disso, naquele momento, fui eleita coordenadora da Associação Latino-americana de Medicina Social. Comecei a viajar por quase todos os países da América Latina, que era parte da tensão com a gestão do fórum. Quando decidi parar de viajar, por questões pessoais de querer constituir uma família, retomei meu lugar de psicanalista, já com tudo isso processado, e comecei uma nova etapa na qual, depois de muitos anos sem escrever nada de psicanálise, começo a escrever. Voltei a frequentar o fórum, convidada para o comitê assessor, há cinco anos, e após a aposentadoria de Ana Fernández, em 2013, fiquei encarregada da cátedra dos estudos de gênero, na Faculdade de Psicologia da UBA.
Patricia Porchat – Você também dá aulas na pós-graduação?
Débora Tajer – Na cátedra de graduação temos, atualmente, cerca de 420 alunos por ano. É uma matéria muito bem recebida pelos alunos. Soube, recentemente, que eles dizem que promove uma abertura e que os permite entender as coisas de outra maneira. Querem, inclusive, que ela passe a ser obrigatória. Eu, nesse momento, dou apenas algumas aulas na pós-graduação[4], mas como convidada. Esta é uma decisão pessoal. Além disso, tenho grupos de estudos. É uma decisão também, nesse momento, é o que quero fazer e estou fazendo.
Patricia Porchat – E você, Pilar, qual o seu caminho?
Pilar Errázuriz – Bom, eu tive sorte, ou melhor, estou falando da decisão de ir do Chile para a França no ano de 1968. Cheguei, justamente, à Sorbonne Pós-Revolução e ali estudei psicologia. Fiz a licenciatura em filosofia, que na verdade era psicologia, e o mestrado, que naquela época se chamava psicologia diferencial de gênero que, evidentemente, não era um pensamento crítico, do qual eu já tinha me aproximado e começado a discutir. Era o ano em que apareceu o MLF[5], o movimento libertador das mulheres que fez esse famoso movimento maravilhoso, psicanálise e política, que era muito louco, porque tinha cinema surrealista, onde estava Antoinette Fouque. Estive mais ou menos junto dessas pessoas, mas não completamente dentro, porque ainda era muito jovem. Nessa época, era muito difícil para mim comprometer-me com isso.
Patricia Porchat – Até quando ficou na França?
Pilar Errázuriz – Me contrataram para trabalhar na Costa Rica em 1978, no Hospital Psiquiátrico Nacional de Costa Rica. Antes disso, tinha ido à Espanha e conheci todos os exilados argentinos que são os meus mestres, tanto em psicanálise quanto em psicanálise de grupo. Lá estavam Bauleo, Kesselman, Pavlovsky, O’Donnell[6]. Isso, foi nos anos de 1976 e 1977. Foi muito enriquecedor e, justamente, nesse momento, chegou um convite da Costa Rica. Eu tinha nacionalidade espanhola e estavam fazendo um intercâmbio para a realização de uma prática clínica. Escolhi trabalhar em grupo com mulheres. Fiquei mais ou menos um ano trabalhando psicanaliticamente em grupo com mulheres psicóticas e mulheres com doenças orgânicas graves. Já naquela época, eu havia aprendido técnicas dramáticas, trabalhava com as cenas temidas etc. Foi impressionante a experiência, algo mágico, porque muito pode ser mudado, a partir do trabalho com o corpo, juntando corpo, gênero e psicanálise. Paralelamente, abri um consultório na Costa Rica.
Patricia Porchat – Quanto tempo ficou por lá?
Pilar Errázuriz – Uns três, quatro anos. Voltei em 1982 para a Espanha, onde me encontrei com Emilce Dio Bleichmar e com ela fiz um grupo de estudos. Nossas mestras, a distância, foram todas as que Débora mencionou. Trouxemos todos os seus escritos e era como tê-las ali presentes. Isso foi muito importante. Falo de 1986. De 1986 até 2000, fiquei trabalhando nessa linha. Tinha um consultório, em determinado momento dirigi a Escola Pichon-Rivière, onde tentávamos incluir gênero, mas foi muito difícil naquele momento.
Patricia Porchat – Isso aconteceu em Madri?
Pilar Errázuriz – Sim, em Madri. Depois, me dediquei à supervisão, pequenos grupos de estudos, no mesmo consultório que eu compartilhava com uma colega argentina. Depois, para completar tudo isso que tinha aberto meus olhos, a partir dos escritos de psicanálise e gênero de Mabel Burin, de Irene Meler, de Ana Fernández e de Débora também, que já escrevia nessa época, entrei em um seminário com as feministas, com Celia Amorós[7]. Também participava Alicia Puleo[8], uma argentina filósofa, muito interessante, que orientou meu doutorado, que fiz muito mais tarde, no Chile.
Patricia Porchat – Quando retornou ao Chile?
Pilar Errázuriz – Em 2001. Fui contratada pela Universidade do Chile, no Centro de Estudos de Gênero e Cultura na América Latina (CEGECAL).
Patricia Porchat – Já existia esse centro?
Pilar Errázuriz – Já existia, funciona há 20 anos. Me deram um curso básico de ciências sociais e gênero, e um de psicanálise e gênero. Abrimos um diplomado de psicanálise e gênero, há 3 anos, em colaboração com a Sociedade Chilena de Psicanálise (ICHPA). Embora tenha havido muita resistência, há pessoas muito valiosas, como Maria Teresa Castel, Martha Elba López e também Cristóbal e, graças a eles, pudemos entrar lá. Não tem sido fácil, continua não sendo fácil. Mas, assim como Débora estava dizendo, em todos esses cursos do CEGECAL, os dois cursos de mestrado que coordeno, mais os dois diplomados, um de psicanálise e outro somente em estudos de gênero, o interessante é precisamente o processo subjetivo feito pelos jovens e os não tão jovens, que também vêm ao curso. É impactante. Na verdade, isso é o que vale mais para mim. Porque, justamente, não é um compromisso, e como dizia Ana de Miguel, uma psicóloga espanhola, amiga minha: “Quando você põe os óculos de gênero, já não pode ver de outra forma.”
Patricia Porchat – Me parece que você tem uma grande aproximação com o Fórum de Psicanálise e Gênero de Buenos Aires.
Pilar Errázuriz – Bem, atualmente, eu estou absolutamente encantada de poder estar em contato com as minhas colegas argentinas, porque, no Chile, eu me sinto muito sozinha. Às vezes, há incursões, mas não são coisas sistemáticas, as pessoas não têm tanta experiência. Por isso, que venho sempre a Buenos Aires. Venho ao fórum, onde apresentaram o livro que eu escrevi há alguns anos. Desde então, escrevi artigos para livros, o que for preciso para difundir, pois é quase uma função política, eu diria. Para começar, a psicanálise no Chile não é como na Argentina, é muito menor, e muito mais paralisada, e não por ser ortodoxa, mas por uma espécie de preconceito. Há um preconceito com o gênero, porque o relacionam ao feminismo. E como diz Débora, sempre me chocaram todas essas coisas obsoletas, como a inveja do pênis e tudo o mais.
Patricia Porchat – Débora, o que muda, para você, com uma psicanálise com perspectiva de gênero?
Débora Tajer – Me parece que o mais importante que traz uma psicanálise com perspectiva de gênero é o fato de ser uma psicanálise que reconhece que é necessário ser contemporânea, que dialoga com o social, com o político, que dialoga com os outros discursos de seu momento histórico, o mesmo que Freud fazia. Freud era um homem culto, aberto, intelectual, de conhecimento abrangente, e o que fazia era dialogar com a ciência de sua época e com a cultura de sua época. Me parece que a psicanálise com perspectiva de gênero traz isso em primeiro lugar. É um debate com a cultura da época. Por outro lado, me parece que ela põe sobre o tapete, que esses sujeitos com os quais estamos trabalhando no dia a dia da clínica, são sujeitos atravessados pelas relações de poder, e que seus sofrimentos e seus horizontes, seus projetos pessoais, têm a ver com essas relações de poder e com os lugares que podem ocupar ou não ocupar no social histórico que habitam que é o sistema patriarcal.
Patricia Porchat – Na prática, como é isso na clínica?
Débora Tajer – Então, uma psicanálise com perspectiva de gênero permite intervir levando em conta o mal-estar e também, claro, o modo de vida desses sujeitos. Ela permite tomar essas premissas como parte da intervenção. Por exemplo, outro dia, uma paciente minha que tem uma bebê, sua segunda filha, um bebê muito pequenininho, menos de 3 anos, estava em pé de guerra com o marido porque ele não se encarrega de nada na casa, segundo ela. Típico, não é? Ela se encarrega de tudo, ele não se encarrega de nada. Há crianças pequenas que requerem muita atenção, e há uma sintomatologia do filho de quase 3 anos, onde se poderia, a partir de uma perspectiva clássica, entender que a mãe se apropria do menino, certo? Diríamos que parte do mal-estar que existe aí é porque a mãe intervém demais, apropriando-se. Mas, trabalhando com ela, ela diz que o marido é violento. Eu não creio que seja especialmente violento, eu acho que tem reações próprias do masculino hegemônico, certo? Se enraivece muito rápido, passa às ferramentas mais intensas para poder pôr um limite. Então, parte do que podemos trabalhar com ela é que ela tem medo de que o menino fique como o marido, por essa violência que ele exerce. Portanto, não é somente uma apropriação, é um escudo que ela cria. A partir daí, se torna disposta a retroceder para que ele possa avançar e ter outros modos de relação com o menino. Isso me parece tão simples, e todo mundo diria sim, obviamente, lógico. Esta é uma intervenção com perspectiva de gênero, no sentido de que ela já entende as relações de dominação e que isso é ruim para o filho.
Patricia Porchat – Do ponto de vista teórico, você acha que a psicanálise ainda tem pontos difíceis de serem conciliados com uma perspectiva de gênero?
Débora Tajer – Há núcleos duros teóricos da psicanálise tradicional que estão amarrados a construções históricas: o Édipo, a função materna e paterna, o conceito da diferença sexual, entre outros. Para a maior parte dos psicanalistas que conhecemos, a feminilidade ou a masculinidade estão ligadas às posições que são apenas duas, binárias, ligadas ao reconhecimento da diferença sexual. E ainda que o digam diferentemente, ligam essas posições com a neurose, que, em termos psicanalíticos, é quase o mesmo que falar em grau de saúde mental, ou, senão, entrar no campo da psicopatologia, no qual incluem, a priori, as existências trans e travestis. Então como se alcançam ou não as masculinidades e as feminilidades como “devem ser”, é um dos indicadores de psicopatologia ainda hoje. Ninguém o diria explicitamente, mas as coisas são assim. Há um a priori de psicopatologização fenomenológica em relação à diversidade sexual e à diversidade de identidade que não se traduz em correlato metapsicológico. Fica-se mais próximo da psiquiatria do que da psicanálise. Outros núcleos duros da psicanálise, e que ainda que não se o diga explicitamente, consideram a heterossexualidade como a sexualidade “maior” e desejável. Fala-se numa psicossexualidade mais ampla, mas, na realidade, é heteronormativa. Um último núcleo duro tem a ver com uma não aceitação ou, melhor, com uma não inclusão da variável de poder na constituição do psiquismo. Isso foi o que o próprio Freud fez, desde o principio. Jessica Benjamin trabalha bem esse tema, quando reconstrói a teoria do poder e subjetividade de Freud, e diz que Freud coloca muito cedo que se obedece por amor e por medo da perda do objeto. Freud reconhece a assimetria entre as gerações, o que é algo aceito pela psicanálise, mas não a assimetria entre os gêneros e apenas um pouco as assimetrias entre as classes. De fato, há como que uma tradução de que tudo o que é assimetria é geracional. Então, por exemplo, se há relações de poder entre homens e mulheres e elas se queixam, ficam infantilizadas, certo? A tradução é sempre remetendo à relação entre gerações, que é quase a única relação de assimetria aceita pela psicanálise como constitutiva do psiquismo.
Patricia Porchat – Para você, existe uma teoria do poder em Freud?
Débora Tajer – Sim, existe. Tanto em Freud quanto em Lacan existe teoria do poder. Toda a questão do Mestre, do Pai, pode dizer muitas coisas.
Patricia Porchat – Mas não na perspectiva de gênero.
Débora Tajer – Não na perspectiva de gênero. Você pode se apoiar nesses articuladores teóricos para dizer outras questões. Por exemplo, no amor ao Mestre, o que acontece? O que acontece, por exemplo, na heterossexualidade das mulheres no patriarcado? A heterossexualidade não é igual para homens e mulheres. Além disso, a heterossexualidade que conhecemos, no patriarcado, é a heterossexualidade do domínio. Por isso, a heterossexualidade nas mulheres equivale ao amor ou atração pelo Mestre social, e isso tem consequências. Afinal, o que significa amar o Mestre? O amor ao Mestre social como única perspectiva dentro da heterossexualidade, isso é um desenvolvimento específico. Há várias questões que as teorias abordam, mas é necessário incluir a ideia de que gênero também é uma variável de poder, é preciso falar das relações entre os gêneros.
Pilar Errázuriz – Concordo com Débora, tanto teórica quanto clinicamente. A inclusão do social histórico é fundamental, mas não para situar o discurso freudiano em seu momento, não se trata disso. Muitos usam essa ideia para desresponsabilizar Freud e dizer que ele foi um produto de sua época. Mas Freud falou de gênero, apenas não foi crítico. Disse claramente que havia uma dominação patriarcal, disse isso em todos os seus textos, veja Totem e tabu. O mesmo ocorre com Lacan. Quando diz que não existe a mulher, está claro que está dizendo que a mulher da qual se fala é uma construção do desejo masculino que não é recíproca. A mulher é um enigma para o homem e também para si mesma.
Débora Tajer
Psicanalista, professora universitária e pesquisadora. Licenciada e doutora em Psicologia (UBA), mestre em Ciências Sociais e Saúde (FLACSO/CEDES). Especialista em Psicologia Clínica (GCBA). Professora adjunta da cátedra Introdução aos Estudos de Gênero; professora adjunta regular da Cátedra de Saúde Pública/Saúde Mental II da Faculdade de Psicologia da UBA. Pesquisadora categoria I e diretora de Investigação de Projetos em Saúde, Subjetividade e Gênero. Cofundadora do Fórum de Psicanálise e Gênero da Associação de Psicólogos de Buenos Aires (APBA). Foi coordenadora geral da Associação Latinoamericana de Medicina Social (ALAMES, 2001/2002). Autora do livro: Heridos corazones: vulnerabilidad coronaria en varones y mujeres (2009); organizadora de Género y salud: las políticas en acción (2012); coorganizadora de Psicoanálisis y gênero: debates en el foro (2000) com Irene Meler; coorganizadora de Saúde, equidade e género: um desafio para as políticas públicas (2000) com Ana Maria Costa.
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Pilar Errázuriz
Psicóloga pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Paris V. Em 1986 tornou-se membro em exercício da International Association of Group Psychotherapy. Doutora em Estudos da Mulher e Gênero pela Universidade de Valladolid (2009). Professora da Faculdade de Filosofia da Universidade do Chile (a partir de 2004). Foi diretora do Centro de Estudos de Gênero e Cultura da América Latina (CEGECAL) da Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile. Autora de Psicología social y género: construcción de espacios a salvo para mujeres (2006), Filigranas feministas, psicoanálisis, memoria y arte (2006) e Misoginia romántica, psicoanálisis y subjetividad feminina (2012).
Foto: Google
Entrevista publicada no livro Psicanálise e Gênero – narrativas feministas e queer no Brasil e na Argentina (2018). Para adquirir um exemplar, encaminhe um e-mail para contato@calligraphieeditora.com.br.
- Insílio é um exílio interior, imposto no próprio país. Termo bastante usado por escritores que se referem às ditaduras espanhola e latino-americanas.
- Hospital Braulio Aurelio Moyano, em Buenos Aires.
- Nesse primeiro momento, Eva Giberti, Ana María Fernández, Juan Carlos Volnovich e Mabel Burin.
- Pouco tempo depois desta entrevista, Debora foi convidada a participar da pós-graduação da Faculdade de Psicologia da UBA. Optou por oferecer cursos on-line sobre subjetividade e gênero e sobre psicanálise e gênero, com a perspectiva de futuramente articular suas disciplinas com programas de pós-graduação de psicanálise e gênero de outros países.
- O Mouvement de Libération des Femmes (MLF) nasce no ano de 1968 em torno da escritora Monique Wittig, de Antoinette Fouque e de outras mulheres que trabalhavam a sexualidade feminina e a articulação das lutas das mulheres com as lutas anticolonialistas e as lutas de classe.
- Armando Bauleo, Hernán Kesselman, Eduardo Pavlovsky e Mario (Pacho) O’Donnell, grupalistas argentinos.
- Celia Amorós Puente é filósofa, escritora, ensaísta e teórica feminista espanhola. Autora de Hacia una crítica de la razón patriarcal (1995), entre outros livros.
- Alicia Helda Puleo García é filósofa feminista argentina, radicada na Espanha. Autora de Dialéctica de la sexualidad: género y sexo en la filosofía contemporánea (1992), Ecofeminismo para otro mundo posible (2011) e organizadora de Ecología y género en diálogo interdisciplinar (2015).